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CSH - Quando Meu Pai se Tornou Meu Filho


A história de hoje é um grande exemplo de superação e de como devemos tratar nossos pais quando precisam de nós.  É um relato tocante e espero que vocês se emocionem como eu me emocionei. Às vezes passamos por situações difíceis que precisamos tomar decisões que, pode parecer um erro, mas que fará diferença no futuro. Vamos a história:



"Eu sou pai de dois meninos. Um de 9 anos e outro de 76 anos. Isso mesmo!

Há 9 anos eu sou pai de um lindo menino e a 5 anos eu me tornei pai de outro lindo menino. É aquela tão sabida história de quando os pais se tornam filhos dos filhos. E feliz e abençoado é aquele que aceita essa nova condição se dando a oportunidade de exercitar o amor incondicional ao próximo, a paciência e encontrar dentro de si mesmos virtudes que até então não eram conhecidas ou que passavam despercebidas.

Essa transição, de se tornar pai dos seus pais, não acontece da noite para o dia, mas dia após dia você passa a notar algumas diferenças no comportamento do idoso, nota que o raciocínio lógico já não é mais tão rápido como antigamente, as conversas tornam-se mais lentas e é aí que começamos a entender que daquele ponto em diante você deverá ter mais calma e paciência para que o seu pai ou mãe formule uma pergunta ou lhe dê até mesmo uma resposta para uma pergunta simples. E é também nesta fase em que você se dá conta do quão importantes eram os conselhos e orientações que eles nos davam enquanto estavam no auge de sua saúde mental e física e percebe que neste ponto eles já estão cansados e desgastados demais para lhes dizer ou orientar em qualquer questão. Isso não quer dizer que eles não queiram nos orientar, eles apenas estão incapacitados de exercer esse papel na sua vida. É claro que existem papais e mamães que ainda são capazes de trazer uma palavra de conforto aos seus filhos mesmo recebendo cuidados destes. De qualquer maneira, a sensação de perda por não ter absorvido toda aquela sabedoria, uma hora ou outra, passa a existir de forma muito clara em nosso dia a dia quando nos damos conta que o tempo passou e que o cansaço e o desgaste físico e mental chegam para todos.

Eu tive medo desta responsabilidade; eu confesso que por um período eu fugi. Eu literalmente fugi. Eu fui embora para Buenos Aires, Argentina e residi por lá por um período de quase um ano. Não foi só o medo de me tornar pai do meu pai que me paralisou; eu era muito imaturo, eu tinha os meus vinte e poucos anos e havia me separado da mãe do meu filho havia três anos e a minha vida estava mudando de maneira muito rápida – não a minha vida em si, mas de toda a minha família e isso me causava muito medo –, tudo aquilo que eu conhecia, toda aquela estrutura familiar que eu conhecia desde que eu havia nascido estava se desfazendo. Hoje está claro para mim que ao fugir dos nossos problemas nós mesmos é que abrimos o abismo abaixo de nós que nos causa tanto medo. E eu abri um abismo gigantesco abaixo de mim. Mas sem entender um pouco a minha história talvez eu não seja capaz de mostrar algo que eu aprendi com toda essa experiência que já dura mais de 5 anos: o amor e a fé te dão forças para enfrentar qualquer situação por maior e mais difícil que ela seja.

Nós somos quatro filhos, criados com as mesmas oportunidades; nosso pai nunca fez distinção de um para o outro, nunca deu mais para um e menos para o outro. Estudamos em escola particular e tradicional de nossa cidade, tivemos oportunidades e coisas que poucos jovens tiveram na nossa época e que até mesmo hoje em dia poucos têm. De um casamento anterior nasceram os dois filhos mais velhos e do casamento com a minha mãe nasceram meu irmão mais novo e eu. Nem por isso éramos tratados de maneiras diferentes; crescemos todos juntos e sempre fomos ensinados a nos amar e a nos respeitar. Nosso pai era um médico muito conhecido e querido por muitos na nossa cidade e passou a sua vida profissional cuidando e zelando pelo próximo. É claro que, como qualquer ser humano, ele também tinha inúmeros defeitos que contrastavam com as suas virtudes, mas isso não fez dele menos merecedor de uma velhice digna e cercado pela família. Ele sempre deu condições mais do que suficientes para formar seus filhos; o primeiro seguiu os mesmos passos do nosso pai e também se tornou médico e os outros dois e eu optamos por outros caminhos. Independentemente das nossas escolhas eu sei o orgulho que ele tinha ao falar dos seus filhos.

Na época em que nós quatro nos demos conta de que aquele ano nosso pai havia chegado ao seu limite eu me assustei. Eu morava com ele desde que eu havia me separado da mãe do meu filho e ele se divorciado da minha mãe. O nosso pai convivia com uma doença conhecida como transtorno bipolar e mesmo assim sempre pôde exercer a sua profissão pois seguia à risca todas as orientações médicas que ele recebia do profissional que cuidava do seu caso. Nosso pai teve uma vida plena e de sucesso profissional. O fato dele seguir cuidadosamente todas as prescrições não o afastava de crises ocasionais onde ele se portava de maneira mais irritadiça alternando para estados melancólicos; ele se tornava muitas vezes uma pessoa muito difícil de se conviver e talvez isto tenha afastado muitas pessoas da sua vida. Foi o desgaste emocional que essa doença causa, entre outras coisas, que levaram ao fim do casamento dos meus pais depois de 22 anos juntos. Na época em que nós nos demos conta de que ele havia chegado no seu limite físico, tanto pela idade como pela doença, que consome muito a sua energia física e mental, eu me assustei e já me sentia esgotado por vivenciar por tanto tempo episódios de crises em que ele se tornava uma pessoa extremamente difícil de se lidar; teimosa, irritadiça, eufórica, melancólica, que trazia angustia para todos à sua volta quando entrava no estado em que definimos como crise. Na certeza de que um dos filhos assumisse a  responsabilidade dos cuidados, eu, com medo e desgastado, fui embora e fugi. Eu cresci assistindo a esses episódios de crises que vezes eram mais fracas e fáceis de controlar e vezes eram verdadeiras tempestades emocionais que traziam cargas quase insuportáveis de se carregar. E isso afeta a todos que o cercam. Eu sabia a carga que eu teria que carregar se continuasse com ele e isso me assustava e eu implorava para que os meus irmãos tomassem partido de parte da responsabilidade.

Na mesma época, quando tomei a decisão de ir embora e começar uma nova vida longe daquilo tudo, completamente perdido e com medo de assumir mais responsabilidades, eu recebi a notícia, através do advogado do meu pai, que a mãe do meu filho estava me passando a guarda dele integralmente e abrindo mão da pensão alimentícia que eu tinha a responsabilidade. Isso me deixou ainda mais assustado e confuso; eu estava completamente despreparado com todas aquelas mudanças e novidades. Eu amava e amo meu filho mais do que tudo, mas, mesmo com todo esse sentimento, eu deixei todo aquele inferno mental me absorver e entreguei o meu filho aos cuidados da minha mãe e fugi. Obviamente que na época todos me julgavam negativamente e com razão, afinal de contas, eu fugi dos problemas e das responsabilidades. Eu me sentia um “menino” despreparado e imaturo que não sabia como enfrentar tudo aquilo que estava acontecendo. Hoje em dia as pessoas me perguntam se eu me arrependo de ter tomado essa atitude e a minha resposta é: NÃO! Claro que não! Eu me mudei para um país em que eu mal sabia falar a língua, apesar de encontrar muitos brasileiros, e precisei aprender, na marra, a me virar sozinho. Consegui um emprego e depois outro, onde fui crescendo e conquistando o meu espaço e hoje eu afirmo com orgulho que ir embora não foi um erro, mas sim algo que eu precisava viver para amadurecer e poder assumir de fato a responsabilidade que eu tenho hoje. Obviamente que eu venho amadurecendo ao longo dos anos, mas aquele período realmente foi um divisor de águas na minha vida, quando deixei a postura de menino e adotei a postura de homem e eu afirmo que eu não me arrependo de ter ido embora. E sou muito grato pelo aprendizado que eu obtive nesse período fora do Brasil e longe de casa.



Três meses depois em que eu estava na Argentina o meu filho foi morar com a minha ex-sogra pois a minha mãe estava doente e veio a óbito aos 44 anos de idade. Era 30 de maio daquele ano. Eu peguei o primeiro voo e consegui chegar a tempo de me despedir. Fiquei na minha cidade por trinta dias e pude ver como o meu pai estava definhando nesses poucos meses em que eu estive fora do país e constatei que nenhum dos filhos lhe dava a devida atenção e que ele não se alimentava corretamente. Percebi o quanto da infância do meu filho eu estava perdendo e como ele havia crescido na minha ausência e foi então que eu deixei de pensar como menino e passei a pensar como um homem. Retornei a Buenos Aires e cumpri os últimos meses do meu contrato de trabalho. Eu conversava com meu pai todas as noites por telefone e todas as tardes com o meu filho. Enviava remessas de dinheiro todos os meses para cobrir todas as despesas do meu pequeno e ainda um pouco mais para qualquer eventualidade. Eu percebia a falta que o meu papel como pai fazia na vida do meu filho e percebia a angustia do abandono que o meu pai sentia por ter todos os filhos distante. No dia dois de dezembro daquele ano eu vim ao Brasil por uma semana para o nosso aniversário; nós três comemoramos no mesmo dia. Parece brincadeira ou piada, mas Deus nos presenteou com essa linda coincidência e todos os dias eu penso e algumas vezes eu digo ao meu pai que não podia ser de outra maneira, nós três tínhamos que ficar juntos. E consciente disto, ao término do meu contrato de trabalho, eu retornei para cumprir meu papel de pai e de filho. Foram muitos os desafios que eu enfrentei quando eu voltei: recolocação no mercado de trabalho, a doença do meu pai, a falta que o meu filho sentia da mãe, que tem sido ausente desde que abriu mão deste papel, a ausência de amigos que seguiram com suas vidas enquanto eu estava fora, a falta da minha mãe nos momentos em que eu precisava de orientação, a solidão das noites sem ter com quem compartilhar minhas dores e angustias, a frustração em não ter com quem compartilhar minhas vitórias, mas, apesar de tudo, eu me sentia bem comigo mesmo por saber que o meu pai e o meu filho não estavam mais sozinhos. Cada filho seguiu com sua vida e eventualmente demonstram sinais de afeto e atenção, mas colocam suas vidas pessoais acima de qualquer coisa e quase não mantêm contato ou visitas. Eu não os julgo, eu também precisei do meu tempo para entender e aceitar ser pai do meu pai e pai do meu filho e, assim como eu, cada um deles têm um tempo para tomar consciência de cada coisa em suas vidas. Muito se diz acerca de que cada pessoa dá ao outro aquilo que tem para dar e o que é capaz de dar, portanto não devemos cobrar, pois aquela pessoa pode não possuir aquilo de que precisamos.


São cinco anos de lutas e hoje eu posso dizer que muita coisa aconteceu; muitas dificuldades e muitas conquistas e que hoje a relação entre mim, meu pai e meu filho está mais sólida e estruturada. Existem os desafios diários que qualquer pai de papais e mamães passam, mas o tempo fortalece e nos ensina a superar qualquer obstáculo e nos mostra que ter fé e dedicação é o caminho para tudo dar certo. Com certeza hoje eu sou mais paciente do que fui ontem, mais respeitoso e dedicado e muito mais maduro e consciente do meu papel neste mundo. Não é uma jornada fácil, mas é possível. Deus sabe exatamente o que cada um de nós precisa e nos dá exatamente a medida correta para suprir aquilo que precisamos para seguir em frente. O meu filho cresce saudável e é muito dedicado aos estudos; somos, além de pai e filho, grandes amigos e nós dois juntos dedicamos aquilo que temos para oferecer nos cuidados ao papai e vovô. A dez meses conheci uma pessoa maravilhosa com quem eu posso compartilhar as minhas vitórias depois destes anos sozinho. E, fazendo uma retrospectiva desse período, eu tenho a mais absoluta certeza de que todos os passos dados e todas as escolhas feitas foram decisões corretas para conquistar o aprendizado necessário para seguir em frente. Ainda existe muito a ser percorrido e aprendido, mas eu garanto que hoje o caminho foi muito mais fácil do que ontem.

Hoje eu tenho 31 anos e sou papai de dois lindos meninos de 9 e 76 anos."

Ícaro Marques

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